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Mesmo que me acendessem a luz

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Conversávamos sobre como nos conhecemos, quando começamos a sair, e quando começamos a namorar. Subitamente, ela entristeceu-se e começou a chorar baixo; coloquei meus braços a sua volta em forma de consolo, mas em verdade eu também estava triste. Conhecemo-nos a menos de um ano, e o que seria nosso primeiro Natal juntos, tornou-se o último. Sentia-me culpado, pode ser que quando eu vá embora ela volte a ter os medos que tinha: medo do calor humano, medo de conversar, medo de confiar, medos que, apesar de não aparecerem, não sumiram; Eu não gostava de pensar nisso, e não pensava, até aquele momento. Cogitei largar tudo e permanecer cuidando dela, mas sabia que a perda seria muito grande então, ao invés de pensar no que seria de nós no futuro, concluí que faria dos nossos últimos momentos juntos nossos momentos mais felizes: levei-a a um acampamento próximo a uma grande cachoeira (raridade na região onde moro, viajamos durante 4 horas), com um grupo de amigos, primos, e minha mãe (que morava comigo e com ela, sempre me ajudando), onde eu pude nadar e subir as pedras com ela (apesar dela ter hesitado bastante), mas, definitivamente o que ela mais aproveitou foi ouvir o som da água corrente; também tirei um dia inteiro de folga apenas para, pura e simplesmente, passar o tempo com ela em casa. Li várias histórias clássicas como “Briar Rose” e “Snow White”, suas preferidas e, posteriormente, ela inventou várias histórias, que contara a mim; depois, ligamos o rádio e brincamos de karaokê com as músicas que tocavam – rimos como nunca; fiz pipoca, e ficamos o resto da tarde apenas sentados na poltrona da sala, no escuro, ouvindo música clássica instrumental. À noite, ajudei-a a escrever sua própria história: uma história pequena, com poucos trechos, que ela dedicou a mim. Ao chegar o Natal, fiz uma pequena ceia só para nós dois e para minha mãe. Como presente, fiz uma vela artesanal com uma pomba talhada na cera e, abaixo da pomba, a frase “Te escreverei sempre” em pontos − ela acabou por se emocionar mais uma vez.  Para mim, ela deu a história que tinha escrito comigo, mas encapada e corrigida, na forma de apostila. O que me surpreendeu foi que o título da história estava escrito em uma grande grafia sinuosa e artística, enquanto o resto da apostila estava em braile. Quando eu perguntei quem escrevera o título por ela, me disse que havia pedido para minha mãe. Fez uma breve pausa para abaixar a cabeça, envergonhada, e disse que queria que, ao menos o título, eu pudesse ler com clareza para sempre recordar. Abracei-a com muita força, por um longo tempo. Ela acabou chorando mais uma vez, e confesso que me sensibilizei também, pensando no momento em que a deixaria para trás e seguiria em frente. Passados os dias, esse momento chegou ao final de janeiro. Ao passo que me afastava dela pelo longo corredor do aeroporto, sua imagem chorosa e da minha mãe que me acenava e a consolava iam ficando cada vez mais distantes e borradas – por um momento, pensei em largar a mala e voltar atrás, mas foi só uma expectativa que passou de relance e me deprimiu um pouco. Quando entrei no avião, peguei na minha mochila a apostila que ela me deu no Natal e me sentei; passei minutos investigando a capa, especificamente o título. Passava meus dedos sobre a única página da apostila, diversas vezes, e voltava ao título, repetidamente. “Passei tanto tempo cansada de tudo que, um dia, em uma visita à biblioteca com minha tia, adormeci enquanto fingia ler um livro. Um rapaz me acordou, com um tom confuso, e me perguntou se eu estava bem”. Lia em meus pensamentos como se ela estivesse sentada ao meu lado lendo com sua voz suave, no lugar de uma idosa que já dormia babando e roncando alto ao meu lado. “Eu estava para morrer, naquele momento. ‘Não me olhe, não me olhe assim! ’ era só o que eu pensava, enquanto ele me encarava”. Do jeito que ela é, eu sei que nunca me diria as coisas que estão escritas na apostila. Mas, ainda sim, ela queria poder dizer. “Como sempre, comecei a chorar de vergonha, com a cabeça abaixada. Isso o deixou ainda mais confuso e preocupado, fazendo-o perguntar incansavelmente o que ocorrera, mas eu não conseguia parar de chorar. Ele colocou uma mão em meu obro, e senti que ele abaixou-se perto de mim. Eu levantei meu rosto procurando por ele, e para mim, essa foi a parte mais triste. Ainda sim, por alguma razão, dessa vez eu não chorei.”  Relendo o texto inteiro diversas vezes, não vi nenhum erro de impressão do braile; conclui, então, que ela datilografou aquilo inúmeras vezes, pois eu sei que a máquina que ela usara era velha e defeituosa. Esbocei um sorriso de satisfação no rosto, pensando em como ela teve cuidado para fazer aquilo para mim – naquele momento, fechei meu cinto e o avião decolou. “’Oh. ’, foi só o que eu ouvi de você, a partir de então. Fiquei parada por um momento, mas então fingi que nada ocorrera, me levantei da mesa e andei para o lado contrário; acabei atropelando uma estante que, é claro, não vi.” Quando fiquei com sono, guardei a apostila e apoiei minha cabeça no banco, ainda com a ’história’ na cabeça. “Continuei em pé, parada, até sentir uma mão segurar a minha. ‘Se importa se eu acender a luz para você? ’ o mesmo rapaz disse, rindo, e me levou até minha tia, sem soltar minha mão uma vez sequer; enquanto andava, cuidava para ir bem devagar, para que eu pudesse acompanhá-lo, e me avisava de qualquer obstáculo que houvesse. Ele explicou a situação para minha tia, que agradeceu e se despediu, tomando minha mão. Mas subitamente, ele pediu um momento. Aguardamos uns poucos minutos, até que ele voltasse, quando tomou minha mão e deixou comigo um papel pequeno. Era um número de telefone, datilografado em braile.” Quando pude soltar o cinto, desliguei a luz e adormeci, ainda sorrindo. “‘Quando quiser que a luz fique acesa, me ligue, ok? ’ foi o que ele me disse. Nesse momento, voltei a chorar, e foi quando eu te abracei pela primeira vez.” Ao acordar, me lembro bem: minha visão ainda estava borrada e tudo que via era branco. Sentei-me na maca, sem poder mexer minhas duas pernas, que estavam parcialmente feridas, e só depois de recobrar a visão e os sentidos fiquei sabendo que o avião passou por uma turbulência e tiveram que fazer um pouso de emergência; alguns acabaram saindo feridos – entre estes, eu. Um telefone na mesa ao lado começou a tocar, e quando atendi, percebi que ela estava ao telefone; voltei a me deitar na maca, enquanto ela chorava alto, fiquei sem falar nada, até que ela parou de chorar e me perguntou se eu ainda estava na linha. “Obrigado por acender a luz.”, eu respondi, e ela voltou a chorar, dessa vez, rindo.
Por Strong, para o Colloseum do Centro RPG Maker.
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